As tramas que habitam minha cabeça
Um texto sobre processo de escrita, percursos de leitura, autobiografias, Borges, Victoria Ocampo, Virginia Woolf e Gabriel Gárcia Márquez
Fotos de Sylvia Salazar Simpson no livro Mulheres radicais: arte latino-americana, 1960-1985
Desde dezembro do ano passado, quando criei essa newsletter, nunca me faltou assunto. Pelo contrário, já tive que diluir os temas que habitam minha cabeça por vários lugares: posts do Instagram, stories, bate-papo com amigues no zap, conversas com a minha mãe.
Escrever sempre foi uma prática, desde que comecei a trabalhar com jornalismo. Na época, além das reportagens diárias, colaborava num blog sobre maternidade do jornal e ainda criei meu blog pessoal. As redes sociais, em seguida, se tornaram uma nova válvula de escape para tudo o que sempre tive vontade de compartilhar.
Mas, na semana passada, quando dei o enter no teclado, saltou uma pulga de trás da minha orelha: eu quero sempre falar de mim? Porque escrevi em série alguns textos muito pessoais e, ao mesmo tempo, li na newsletter da poeta Taís Bravo sobre as dúvidas das pessoas que fazem sua oficina de escrita sobre até onde vai a liberdade de contar e o limite de exposição própria e a de outrem.
Ao mesmo tempo, na última semana eu vivi coisas sobre as quais eu gostaria de escrever, mas não mostrar pra ninguém. Pelo menos, não na forma como tenho feito aqui, através de crônicas, relatando fatos, citando leituras relacionadas e expondo sentimentos. O bloqueio veio.
Eu escrevo enquanto caminho, malho na academia, boto roupa pra lavar, faço comida, descanso na hora do almoço. Durante o dia, minha cabeça não desliga (de madrugada, às vezes, também). Meu processo é meio caótico, anoto poucas coisas, fica tudo aqui dentro, o texto saindo aos poucos, até sentar para digitar no bloco de notas do celular ou no laptop. Mas, nos últimos dias, tudo o que veio era relacionado ao que eu não podia dizer. Fazer o que?
Pensei que, se tivesse talento para ficção, eu teria uma boa história para contar. Porque eu também crio cenas, diálogos, cartas imaginárias relacionados ao tema em que estou pensando. Será isso o processo de escrever? Seria preciso treinar, e não sei se quero, não tenho tempo.
Estou me sentindo, gente. Escrevendo sobre processos criativos. É sobre isso ter uma newsletter semanal?
Por coincidência, o que estou estudando na disciplina de Mestrado em que me inscrevi na UFF? “Formas do (auto) biográfico”, com as professoras Eurídice Figueiredo e Lívia Reis. Estamos lendo ensaios, autobiografias e autoficções, num percurso que tem se revelado para mim uma possibilidade de um novo projeto de pesquisa.
Para a primeira aula, elas sugeriram a leitura de um ensaio que está na Serrote 34, do Evandro Cruz Silva. Folheando a revista, decidi ler outros textos e cheguei num da Paloma Vidal, cujo livro Pré-história também está no programa do curso.
Conheci a Paloma pessoalmente na Flip. Ela traduziu com Maria Cecilia Brand Viver e traduzir, da argentina Laura Wittner, que também estava na festa literária de Paraty. A Ciça Brand, poeta e vizinha de Laranjeiras, é amiga de longa data, ainda dos tempos da Record, e foi ela, junto com Paloma, que me procurou na Bazar para oferecer a publicação da obra. Que sorte a nossa!
Pois bem, depois de ler o ensaio de Paloma na Serrote, de comprar o livro da 7Letras para ler ao longo do semestre, pego na estante Livros pequenos, da Tamara Kamenszain, que tinha comprado na Megafauna, na minha última viagem a São Paulo. Comprei pelo título, porque a autora acabara de publicar no Círculo de Poemas o Garotas em tempos suspensos, no qual eu também estava de olho.
Enfim, em suspenso ficou a leitura também, que iniciei quase dois anos depois, no último fim de semana. As duas obras de Tamara que estão agora na minha cabeceira foram traduzidas por Paloma Vidal. Mas não é só isso. Livros pequenos começa com um diálogo entre a autora e um outro livro de Paloma (esgotado, mas hei de encontrar por aí) e com a própria, claro.
Livros do próximo encontro do clube de leitura do Círculo de Poemas: Garotas em tempos suspensos e Onde estão as bombas, este de Tatiana Pequeno
Ah, lembrei porque peguei o livro da Tamara: a professora Lívia Reis tinha falado dela na aula de sexta passada. Vão vendo as tramas…
Também não para por aí: a coincidência é que Garotas em tempos suspensos é um dos livros que vamos ler no próximo dia 26, no clube de leitura do Círculo de Poemas, na Livraria da Travessa. Coincidência mais ou menos, pois quando o livreiro e poeta Leonardo Marona sugeriu o título, eu abracei a causa, rs.
Esses percursos de leitura me comovem demais porque eu, com meu coração pisciano, imagino os livros à noite conversando na minha biblioteca, sabe. Ou se jogando no meu colo quando estou percorrendo alguma feira literária, uma livraria.
Para a semana que vem, vou ler um ensaio e dois contos de Borges. Será que ele tem a ver com tudo isso?
Trecho de A irmã menor, de Silvina Ocampo (tradução de Mariana Sanchez)
Não é por acaso, não, não pode ser, que eu esteja lendo também “A irmã menor”, de Mariana Enriquez, um ensaio sobre Silvina Ocampo, a irmã mais nova de Victoria Ocampo. Borges, Bioy Casares (marido de Silvina) e Victoria são quase protagonistas do livro. A leitura é por dois motivos: ele também está na bibliografia do curso da UFF e eu hoje, 18 de abril de 2024, vou conversar sobre o livro Victoria Ocampo e Virginia Woolf - Correspondência, lançamento sobre o qual já falei em outra edição da news.
Victoria Ocampo, nos conta a organizadora da obra, Manuela Barral, que estará hoje na livraria Janela comigo e com a livreira e editora Martha Ribas, reescreveu e editou as cartas que enviou a Virginia Woolf. Se por um lado, foi autora de livros autobiográficos, a intelectual argentina, uma das mulheres mais influentes do país, se desfez de muitas de suas cartas. O que isso nos diz sobre o processo de escrita, de controle sobre a sua própria história e a construção de memória?
Volto então ao tema do início deste texto: o que de nós queremos contar, o que dos outros temos o direito de expor?
Leonard Woolf, marido de Virginia, fez a primeira edição dos seus diários, cortando bastante coisa, com um cuidado e o carinho de quem foi seu primeiro leitor e editor de seus livros. Nos diários que agora nos chegam pela tradução de Ana Carolina Mesquita, um presente da editora Nós a leitoras do Brasil, nos deliciamos com a intimidade de Virginia, com seu sarcasmo, deboche e as tretas literárias. Virginia tinha uma relação de admiração profunda e algum incômodo com a escritora Katherine Mansfield, por exemplo. Seria justo expor o que dela Woolf escreveu nesses textos? Até que ponto o escritor que escreve e guarda diários tem controle sobre a sua obra, e, no limite, sabe que está escrevendo para a posteridade e para a história, e, sim, sabe e talvez queira que tudo se torne público com o tempo?
São vários os casos na literatura de proibição de acesso por herdeiros, cônjuges ou até pelo próprio autor. Mas, se os textos sobrevivem no papel ou em algum meio eletrônico, é justo que se desrespeite a vontade de quem escreveu? Kafka não queria ver seus diários publicados, por exemplo. Nesse caso, o que seria da história da literatura sem esses textos?
Ontem, 17 de abril, fez dez anos que o colombiano Gabriel García Márquez morreu. Em 2024, a família decidiu publicar um livro póstumo, sem revisão do autor, que ele próprio não queria lançar em vida, pois não tivera tempo de burilar. Em agosto no vemos, com tradução de Eric Nepomuceno, no entanto, não só saiu, como figura na lista de mais vendidos há semanas. Já li resenhas negativas, amorosas, positivas e condescendentes com a obra de Gabo.
Eu estava na Record, sua editora no Brasil, quando o autor de Cem anos de solidão morreu. Era quinta-feira, véspera da sexta da Paixão e do domingo de Páscoa. Eu tinha pouco mais de um mês de casa e precisei escrever o meu primeiro obituário de autor (viriam o de Umberto Eco numa sexta à noite, quando todos já estavam abrindo outros tipos de trabalho, de Carmen Balcells, a agente dos autores do boom latino-americano, e outros mais).
As redações ligando, querendo ouvir o Sérgio Machado, editor que conviveu com Gabo, e também querendo tirar uma dúvida sobre o ano de nascimento do autor. Pois, na imprensa mundial estavam circulando duas datas. Havia uma história de que Gabo tinha sido registrado um ano depois do nascimento, coisa que ele nunca confirmou ou negou, deixando na conta do realismo mágico essa história. Nós trabalhamos na época com a data liberada pela agência da Balcells. Foi um fuzuê.
Minha memória é falha, mas creio que ela não está me pregando peças. Um dos grandes jornais, não lembro se Folha ou Estadão, brincou com a confusão em sua manchete. Fato é que não posso provar nada, porque não achei na internet os registros dessa história. Talvez, a Simone Magno, minha amiga que agora está na assessoria da editora, possa me ajudar cavoucando os arquivos do clipping.
Ou será se minha cabeça está inventando?
Que delícia que é te ler, Claudia. Me sinto um pouco do seu ladinho, eu que estou tão afastada e devendo um café, pelo menos. Um beijo carinhoso.
Gosto muito dos seus textos Cláudia! Li ano passado La hermana menor e estou lendo agora o Correspondências. Quando vi a publicação da Bazar do tempo anunciando o evento no Rio, não associei que a Cláudia do evento era você! Por aqui não reparo nos nomes, fotos dos autores, percebo somente o texto 😅 Que bom saber que é você!